30.5.08

Teremos tido o que alguma vez julgamos ter perdido?
Quisemos a presença permanente mas nunca a tivemos
Nalgum momento feliz nalgum lugar propício
Amámos a integridade de um corpo como uma chama de universo
Mas esse momento durou com a verde intensidade de um
(bosque
E foi como se tocássemos o tronco de uma estrela
Em breve se apagou o lume que dançava em flutuantes corpos
No entanto se a cinza se acendia
Com a pontiaguda e frágil boca de um desejo obstinado
O mundo podia ondular como um harmónio verde
Em que as sombras e o sol e o mar ao fundo
Constituíam o lugar privilegiado de um sentir
Que se inebriava com as mescladas manchas
Que a luz e a penumbra espalhavam sobre os cavalos
Que pastavam tranquilamente entre os castanheiros
Era uma visão simples mas uma visão total
Porque as figuras tinham o timbre tranquilo do silêncio
Nós explorámos estas zonas de respiração plácida
E penetrámos às vezes numa clareira entre giestas vermelhas
Com a sensação de que podíamos tocar o ouvido de veludo do
(mundo
Mas isto tudo eram explorações intervalares
Que não anulavam o que sobrava sempre
Porque era o inexorável depois o incessante efectivo
E agora perguntamos
Como pode a vida ter passado como uma nuvem obscura
E continuar a passar
Como se não fôssemos mais do que folhas de cinza
Procurámos estar onde estávamos
Mas era tão difícil manter em equilíbrio a coluna do silêncio
Tão desejável no entanto como entrar
No interior de um ovo de veludo
E hoje entre as violentas garras
Que pela sua exacerbação parecem derradeiras
Ainda procuramos a sabedoria de estar
Sem qualquer esperança
Esperando no entanto a delicadeza extrema
Dessa presença aérea que não é nada
Porque é simplesmente a ilusão do mundo liberta na visão do
(desejo


António Ramos Rosa " Deambulações oblíquas"

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