23.12.09

Natal, e não Dezembro


Entremos, apressados,
Friorentos,
Numa gruta, no bojo
De um navio,
Num presépio, num
Prédio, num presídio
No prédio que amanhã
For demolido…
Entremos, inseguros,
Mas entremos.
Entremos e depressa,
Em qualquer sítio,
Porque esta noite
Chama-se Dezembro,
Porque sofremos,
Porque temos frio.

Entremos, dois a dois:
Somos duzentos,
Duzentos mil, doze
Milhões de nada.
Procuremos o rastro de
Uma casa,
A cave, a gruta o sulco
De uma nave…
Entremos, despojados,
Mas entremos. De mãos dadas talvez
O fogo nasça,
Talvez seja Natal e não
Dezembro,
Talvez universal a
Consoada.

David Mourão – Ferreira

9.12.09


O corpo fala sem precisar de usar palavras. Não mente. A comunicação não verbal, é por isso uma fonte poderosa de conhecimento. Uma fonte rica misteriosa e aberta. Ajuda-nos a ler o outro entre as linhas das palavras ditas.


O pseo do corpo pode ser leve, forte ou pesado. Leve, quando nos esquecemos de pisar o chão; forte, quando vencemos a gravidade e a dificuldade; pesado, quando abandonamos tudo.


Ter um desejo que não se confessa.


Eis o momento de agarrar o chão com as mãos, levantá-lo como um lençol de luz e passar por debaixo.


Antigamente, tínhamos mais ar dentro de nós do que agora. Esse ar dava origem a que no espaço interior dos corpos pudesse haver mais vida. E havia. Havia coelhos que nasciam, cresciam dentro do corpo e faziam todos os homens saltar mais. Saltos muitos e pequenos, saltos em arco, grandes saltos e reviravoltas que levavam os corpos dos homens a saltar. Porque os coelhos dentro de si não paravam de saltar, os homens mantinham-se no ar com muita facilidade. Um dia, os coelhos quiseram fugir e saíram pelas pontas dos cabelos dos homens.
A partir daí, tudo se tornou mais complicado. Os homens, para saltar, tiveram de inventar a dança, ou então sonhar bastante para poderem por vezes dormir no ar.


Por vezes as mãos e os braços não servem para nada. Isto se houver dentes, olhos e sorrisos que os saibam substituir. Hoje em dia, existem no campo e na cidade princesas que vivem incógnitas. Elas, só com os seus dentes muito brancos, os seus olhos de qualquer cor e os seus lábios que rasgam sorrisos preciosos, conseguem por um instante impressionar muito: criam com as suas armas a sugestão de um instante feito de luz, cor e transparências. E assim, sem necessitar de usar os braços que não têm, aprisionam-nos para sempre. Este instante duradouro chama-se amor à primeira e à última vista.


Uma Carta Coreográfica