31.12.05

Uma sombra outra sombra a noite desce

uma sombra a noite desce
sobre telhados que não vejo
entra nas casas onde a esperam sem saber
da solidão gamosa que as trespassa e me trespassa
a mim que não a espero e não desejo

e a sinto sem a ver descer entre altos ramos
ouvindo um fio de musgo e susto que em seguida
me faz olhar o céu

céu de incerteza beleza mutilada
na mesma claridade que floresce um só instante mais
enquanto morre

céu de sereno sono com clarões baços e abandono e medo
e a vagarosa trémula, neblina que escorre e se desprende
o só calor real e só possível do que é imenso e impossível
no ansioso terror de nunca mais

Iluminam-se as ruas
enquanto sobre nós e em nós a noite desce cresce
e nos envolve e nos liberta e prende

Mas aqui onde estamos
já não estamos
que sem cartão de identidade e de mãos nuas
desafiando a noite e a confusão tentacular dos ramos
onde julgam que estamos
sem princípio e sem fim anónimos voamos

Mário Dionísio "Memória dum pintor desconhecido"

2 comments:

Amaral said...

Para Póvoa de Lanhoso, para ti em especial,
Um Ano Novo com muita Paz e Amor!
Uma saudação aos céus, um brinde à vida, um grito à Alegria!

Anonymous said...

:)
tem 1 bom ano =)*