22.4.05

preocupam-me as coisas do passado.
Escrevo como se o poema fosse uma realidade, ou dele nascessem as folhas da vida, com o verde esplêndido de uma súbita primavera.
Sobreponho ao mundo a linguagem; tiro palavras de dentro do que penso e do que faço, como se elas pudessem viver aí, peixes verbais no aquário do ser.É verdade que as palavras não nascem da terra, nem trazem consigo o peso da matéria; quando muito, descem ao nível dos sentimentos, bebem o mesmo sangue com que se faz viver as emoções, e servem de alimento a outros que as lêem como se nelas, estivesse toda a verdade do mundo.
Vejo-as cairem-me das mãos como areia; tento apanhar esses restos de tempo, de vida que se perdeu numa esquina de quem fomos; e eu vou atrás deles, entrando nesse charco de fundos movediços a que se dá o nome de memória.
Será isso a poesia??? É então que surges: o teu corpo, que se confunde com o das palvras que te descrevem, hesita numa das entradas do verso.Puxo-te para o átrio da estrofe; digo o teu nome com a voz baixa do medo; e apenas ouço o vento que empurra portas e janelas, sílabas e frases, por entre as imagens inúteis que me separam de ti.

Nuno Júdice in "Lira do líquen"

5 comments:

Daniel Aladiah said...

Querida Voz do silêncio
Obrigado pela visita.
Encontrei aqui boa poesia.
Um beijo
Daniel

Fernando said...

gostei bastante do que li!
um grande beijo para ti!

Fernando said...

muito bonito, adorei o que li
beijo

Fernando said...

gostei bastante do que li!
um grande beijo para ti!

Hugo Pereira said...

Obrigado por partilhares estes textos