20.7.06

Estoicismo

Tu que não crês,nem amas,nem esperas,
Espírito de eterna negação,
Teu hálito gelou-me o coração
E destroçou-me da alma as primaveras...

Atravessando regiões austeras,
Cheias de noite e cava escuridão,
Como num sonho mau,só ouço um não,
Que eternamente ecoa entre as esferas...

-Porque suspiras,porque te lamentas.
Cobarde coração?Debalde intentas
Opôr à sorte a queixa de egoísmo...

Deixa aos tímidos,deixa aos sonhadores
A esperança vã,seus vãos fulgores....
Sabe tu encarar sereno o abismo!

Antero de Quental " Sonetos"
a tua ausência é,em cada momento,a tua ausência
não esqueço que os teus lábios existem longe de mim.
aqui há casas vazias.há cidades desertas.há lugares.

mas eu lembro que o tempo é outra coisa,e tenho
tanta pena de perder um instante dos teus cabelos.

aqui não há palavras.há a tua ausência.há o medo sem os
teus lábios,sem os teus cabelos.fecho os olhos para te ver
e para não chorar.

José luís peixoto " A casa, a escuridão"


dedicado a um anjo que tenho a certeza que nunca mais vou ver na minha vida.
obrigada por tudo....e por me ajudares imenso neste capítulo que passou recentemente..
nunca esquecerei esses lindos olhos negros..
nunca te esquecerei..bj

9.7.06

Cheguei hoje, de repente a uma sensação absurda e justa.
Reparei, num relâmpago íntimo, que nã o sou ninguém.Ninguém,
absolutamnte ninguém.Quando brilhou o relâmpago,
aquilo onde supus uma cidade era um plaino deserto; e a luz
sinistra que me mostrou a mim não revelou céu acima dele.
Roubaram-me o poder ser antes que o mundo o fosse. Se tive
que reincarnar,reincarnei sem mim, sem eu ter reincarnado.

Sou os arredores de uma vila que não há,o comentário prolixo a um livro
que não se escreveu. Não sou ninguém,ninguém.Não sei sentir, nem pensar, não sei querer.
Sou uma figura de romance por escrever,passando aérea, e desfeita sem
ter sido, entre os sonhos de quem me não soube completar.

Penso sempre, sinto sempre; mas o meu pensamento não contém raciocínios, a minha emoção não contém emoções.Estou caindo, depois do alçapão lá em cima, por todo o espaço infinito, numa queda sem direcção,infinítupla e vazia.Minha alma é um maelstrom negro, vasta vertigem à roda de vácuo, movimento de um oceano infinito em torno de um buraco em nada,
e nas águas que são mais giro que águas bóiam todas as imagens do que vi e ouvi no mundo-
vão casas, caras, livros, caixotes, rastros de música e sílabas de vozes, num rodopio
sinistro e sem fundo.

E eu, verdadeiramnet eu, sou o centro que não há nisto
senão por uma geometria do abismo; sou o nada em torno do
qual este movimento gira,só para que gire, só para que gire, sem que esse centro
exista senão porque todo o círculo o tem.Eu, verdadeiramente eu, sou o poço sem muros, mas com a viscosidade dos muros, o centro de tudo com o nada à roda.

E é, em mim, como se o inferno ele mesmo risse, sem ao menos a humanidade de diabos a rirem, a loucura grasnada do universo morto, o cadáver rodante do espaço físico, o fim de todos os mundos flutuando negro ao vento, disforme, anacrónico, sem Deus que o houvesse criado, se, ele mesmo que está rodando nas trevas das trevas, impossível, único, tudo.

Poder saber pensar!Poder saber sentir!

Minha mãe morreu muito cedo, e eu não a cheguei a conhecer...

Bernardo Soares " Livro Do Desassossego"