27.9.07


E mesmo sem te ver

Acho até que estou indo bem

Só apareço, por assim dizer

Quando convém aparecer

Ou quando quero
Quando quero

Desenho toda a calçada

Acaba o giz, tem tijolo de construção

Eu rabisco o sol que a chuva apagou

Quero que saibas que me lembro

Queria até que pudesses me ver

És parte ainda do que me faz forte

Pra ser honesto

Só um pouquinho infeliz

Mas tudo bem

Tudo bem, tudo bem...

Lá vem, lá vem, lá vem

De novo

Acho que estou gostando de alguém

E é de ti que não me esquecerei

Está tudo bem, tudo bem...

26.9.07


Não me arrependo das horas que perdi a esperar-te
Quando ainda havia a esperança. A esperança que
Havia ainda quando, a esperar-te, perdi horas de que
Não me arrependo.

Um instante na memória de chegares é mais valioso
Do que jardins. Do que montanhas. Do que anos de
Tempo.

Arrependo-me de ficar ao sol, de sorrir, de esquecer
Que devagar passam os dias. Os dias passam devagar,
Esquecendo-se de sorrir ao sol e de ficar onde me
Arrependo.
José Luís Peixoto "A casa, a escuridão"

1.9.07

Quanto de ti, Amor...

Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço
em que de penetrar-te me senti perdido
no ter-te para sempre -
Quanto de ter-te me possui em tudo
o que eu deseje ou veja não pensando em ti
no abraço a que me entrego -
Quanto de entrega é como um rosto aberto,
sem olhos e sem boca, só expressão dorida
de quem é como a morte -
Quanto de morte recebi de ti,
na pura perda de possuir-te em vão
de amor que nos traiu -
Quanta traição existe em possuir-se a gente
sem conhecer que o corpo não conhece
mais que o sentir-se noutro -
Quanto sentir-te e me sentires não foi
senão o encontro eterno que nenhuma imagem
jamais separará -
Quanto de separados viveremos noutros
esse momento que nos mata para
quem não nos seja e só -
Quanto de solidão é este estar-se em tudo
como na auséncia indestrutível que
nos faz ser um no outro -
Quanto de ser-se ou se não ser o outro
é para sempre a única certeza
que nos confina em vida -
Quanto de vida consumimos pura
no horror e na miséria de, possuindo, sermos
a terra que outros pisam -
Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,
recebo gratamente como se recebe
não a morte ou a vida, mas a descoberta
de nada haver onde um de nós não esteja.



Jorge de Sena
in Visão PerpétuaAgosto 1967
Dentro dos teus olhos, há o brilho onde nascem as respostas, mas não vou perguntar-te nada. Tenho medo de que a minha voz te faça desaparecer de novo. O silêncio é o lugar onde os nossos olhares se encontram.
Não vou perguntar-te nada.

José Luís Peixoto " Antídoto"